A consideração do arqueólogo, geólogo, cosmólogo? Somos obrigados a interrogar o que neles dá para ver com apurada nitidez a artista plástica Flávia Fernandes. Quando se entra em contato com seu trabalho recente, a deriva é inevitável e colocar quase uma necessidade. Resina acrílica, papel, madeira, tecido e tinta, são materiais que assumem formas inusitadas. Tudo é composto em fragmentos como se fossem indícios de um problema.
Texto poético de Nestor Habkost sobre a obra, instalada no Museu de Arte de Santa Catarina, Florianópolis, SC no ano de 2000 e nas Oficinas Culturais de Uberlândia – MG no ano de 2001
Nestor Habkost, Filósofo e professor de filosofia da UFSC.
Fragmento 1 – Lâmina – é obra arqueológica. Sobre o solo em tom que sugere sangue fino, temos em forma de instrumento o resgate de um instrumento paleolítico, testemunho da época que atualiza no corte rápido e profundo da parte frontal, a violência nas camadas da terra, como as que são arrancadas da superfície planetária diariamente pelo homem, transformando-as em feridas abertas, alertas a uma civilização que se esvai.
Fragmento 2 – Fóssil– lança o olhar para uma ação da natureza, a visão penetra no processo de sedimentação que transforma espécies vegetais e animais em minerais. O tempo se estende, sofre um alongamento, as eras geológicas tornam-se quase insignificantes os agoras inacabados, depositados nos seres.
Fragmento 3 – Faixa de tempo pode ser vista como uma superfície espectral de disposição de eventos. A explosão do recorte, espécie de proliferação das imperfeições do tempo, dificulta, como inicialmente sugere o rumo da obra, a sucessão como encadeamento linear entre presente e passado futuro. Na imperfeição do tempo o acontecimento se precipita – produzindo uma dobra passada e futura entre, ou uma forma de ruga por onde escapa um presente comprimido, encurtado. Corte o tempo em camadas agora. I
Ffragmento 4 – Passagem é o traçado, se assim se pode dizer do incomum. Nela aprendemos sinais de que soa como uma linha distintiva de territórios que faz submergir, como um rio em movimento, suas margens. O branco e o negro mais do que jogo cromático, distinguem entidades geológicas em transformação. A passagem torna-se, neste caso, não a passagem coberta, mas a mutação em si mesma. fragmento
Fragmento 5 – Meteoro. De uma grande explosão planetária a deriva no espaço sideral ou apenas um pedaço de casca de terra? Da parte estéril, ressecada e quase morta poderá ainda brotar a vida? Ou guardará, para um observador projetado muito à frente, o segredo do que já era, partícula a partícula, estratifica a camada a história cosmológica da terra. Aqui são os vestígios ou indícios de uma inquietação que a obra desenvolve numa materialidade grosseira. Flávia atravessa o plano da sensibilidade para chegar ao plano do pensamento. Cabe-nos arriscar com a problemática e investigar o sentido, momento sublime em que a arte nos faz pensar.